DEUS DE TÃO PERFEITO conheceu a plenitude
do tédio. De tão cercado pelo idêntico a si mesmo, incapaz de dizer por que
hoje não é apenas um reflexo de ontem, sem jamais ter sonhado com um outro dia,
enfadado com a previsibilidade de um mundo impecável, inventou o amor. Ou
seria, preferiu amar?
A invenção do amor, ou
dos amigos, é o encontro com o imperfeito e aqui está a sua grandeza. Nada se
compara ao êxtase da imaginação, à adrenalina do inusitado, ao ciúme diante do
livre amante, à ardência do anseio pelo melhor, ao sabor fugidio do fugaz, à
satisfação de um mundo transformado, ao descanso gostosamente dolorido diante
do que não mais é caos. Sensações próprias da vida imperfeita, do que está para
sempre para ser, dos que sempre podem desejar uma outra coisa. Dos humanos.
Logo depois de
inventar o imperfeito, Deus conheceu a lágrima da frustração. A dor mais feliz
que espíritos livres sentem. Viu as costas dos que mais amou. Duvidou sem
desistir, o Criador chorou mais uma vez. Desta lágrima descobriu o perdão.
Lágrima esquentada com afeto e graça.
Mal compreendido pelos
amigos, inimigos tolos, pecados, recobriram-no de ídolo. De tão cansados do
incerto, angustiados por tanta liberdade, os amigos inventaram ídolos,
pretensos profetas e arrogantes senhores do futuro, sacerdotes e magos de um
deus acuado, cristos milagreiros da mesmice ressurreta. Inventaram a religião,
vestiram-se de absoluto.
Deus, que do absoluto
fugiu em desespero, que inventara o imperfeito, imperfeito se fez. Inventou-se
entre os incertos. Aperfeiçoou a imperfeição. Humanizou-se entre humanos. De
tão impreciso, despido das forças do absoluto, igualmente inapreensível,
excepcionalmente frágil, tão vivo e tão morto, descortinou o absoluto como quem
desnuda o que é mau. Imperfeito, salvou-nos da perfeição.
Elienai Jr.